domingo, 11 de maio de 2008

Diários do Padre Nicolino


A FFA vai publicar uma nova edição de Os Diários das Três Viagens, registro histórico a partir do manuscrito de próprio punho relatando a aventura de Padre Nicolino, no século XIX. Veja a seguir um trecho dessa intrigante história:


- Oitenta dias passei em n’aquelles explendidos desertos. Parecia insensível ás fadigas, ás privações e aos perigos: e tive realmente fundo pesar quando fui forçado a regressar.

- Quanto é rica esta nossa terra! .... Quando eu descia o rio Cuminá, os práticos das minhas canoas eram dos antigos habitantes dos mocambos, que tinham em grande veneração a memória do Padre Nicolino. Dois d’esses homens, Joaquim Sant’Anna e Guilherme do Espírito Santo[1], eram dotados de nobres sentimentos... Os mocambeiros me contaram muitas vezes, os trabalhos, a agonia, e a morte do seu amigo Padre Nicolino.

O Padre e nós tínhamos andado muito, me diziam elles, pelo meio das mattas. Uma tarde acampamos junto á um igarape de água fria e fundo de areia.

Jantamos. Comnosco iam cinco meninos, discípulos do Padre. Estes meninos entoaram cantigas religiosos tristes, como costumavam fazer todas as tardes. Deitamo-nos em nossas macas. O Padre nos disse: - “Com mais dois dias enconramos as aldeias dos Pianocotós. Com mais três encontramos os campos”. Mas ao amanhecer o Padre nos disse: - “Estou mal!” Passou o dia com febres. Ás 4 horas da tarde, levantou a cabeça, e disse:
- Oh minha mãi, minha mãi!
Alguns minutos depois, um menino chegou-se á rede, olhou e disse:
- O Padre está morto!
Os meninos começaram a chorar em altos gritos. Nós, os homens, também choramos.

Toda a noite levamos a velar para que a onça não viesse carregar o corpo. Pozemos á cabeceira uma pequena cruz que o Padre costumava trazer ao peito, e accendemos uma vela de cera de cada lado. Ao amanhecer lavamos o corpo na água fria do igarapé, e depois o enterramos em baixo de uma castanheira. Fincamos uma cruz à cabeceira da sepultura. Passamos ainda ahi trez dias, e depois regressamos. Quando ao mocambo chegou a notícia que o Padre tinha morrido, todos se recolhiam ás suas casas e choraram sem consolação.

Trez annos depois voltamos, desenterramos os ossos, e os levamos para a sua egrejinha de Uruá-Tapera.

Com effeito, os habitantes do Trombetas e de Óbidos vieram em piedosa romaria inhumar os restos mortaes do seu vigário e amigo na ermida que elle próprio havia edificado. Uma pequena pedra o cobre. Tem esta singela inscripção, se não me falha a memória:

“Aqui jaz o Padre Nicolino José de Souza. Nasceu na Villa de Faro em 10 de Agosto de 1836. Falleceu em 12 de Outubro de 1882- Lembrança de seos amigos.”[2]

Foi um bom coração e uma grande alma. Quando eu subi o Trombetas e passei por Uruá-Tapera, fui logo visitar o modesto sepulchro do ousado explorador.

Lá dorme em paz o patriota em sua ermidasinha, que se avista ao longe, branca como uma bonina que se destaca sobre o verde-escuro da floresta.
GONÇALVES TOCANTIS

Nada como a História para desmistificar a própria história!

A seguir, leiam com amor e dedicação os três diários do Padre Nicolino.

João Bosco Almeida
Coordenador de Pesquisa da Fundação Ferreira de Almeida

[1] Confira-se estas com as afirmações de próprio punho do Padre, nos seus diários a seguir narrados.
[2] Compare-se a data da morte atribuída por Gonçalves Tocantis e a que consta nos ‘Diários” que informa ser o dia fatal a 8 de novembro de 1882. N.C

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